Poder Judiciário e Tutela da Concorrência
Na data de hoje (29/03), tive a honra e a alegria de participar do Fórum Poder Judiciário e Tutela da Concorrência, organizado pelo TRF2. O evento contou com profissionais e professores incríveis, como o Desembargador Presidente do TRF André Fontes, a Profa. Paula Forgioni, o Prof. e SENACON Luciano Timm, a Profa. Ana Frazão, o Prof. Roberto Pffeifer, o Subprocurador-Geral da República Aurélio Rios, o Prof. Floriano Marques Neto, a Profa. Ana Elisa Bechara, o Prof. Newton Silveira, o Prof. Pedro Barbosa, o Diretor do INPI Mauro Maia, e finalmente a Ministra do STJ Nancy Andrighi.
Tive a oportunidade de apresentar um pouco da minha visão sobre a controversa problemática do controle de legalidade dos acordos de leniência pelos tribunais brasileiros. Além disso, tomei algumas notas, que compartilho com todos, visando à difusão do conhecimento. A minha apresentação, por sua vez, encontra-se disponível no meu site, na aba "treinamentos e palestras": aqui. Acredito que o vídeo também será disponibilizado pela ESMAF, que pode ser diretamente contatada em caso de interesse.
Abraços e ótimas pesquisas!
ABERTURA
André Fontes, Presidente do TRF2: Apresentação do contexto do TRF2, de necessidade de capacitação e treinamento sobre concorrência e PI.
Luciano Timm: análise econômica do direito como “uma outra visão da catedral”, uma ferramenta científica (e não filosófica). AED é consequencialista, e pressupõe pragmatismo e realismo. Direito econômico como um campo do direito, e a AED como um método, que pode ser aplicado a vários ramos do direito. Escolas de AED: Chicago (Posner), Yale (Calabresi), Neoinstitucional/Califórnia e Economia Comportamental/Chicago (Sustein).
Aplicações da AED no antitruste: 1) uso de estatística e econometria como prova. Grau de concentração, por exemplo, como prova; 2) ponderação de eficiência em atos de concentração; 3) custo da investigação, processamento; 4) cálculo do valor da pena em casos de cartel, por exemplo; 5) decisão por acordo de leniência.
Paula Forgioni: o objetivo é dado pelo direito, e não pela economia! Então a AED é um instrumento do direito, não o objetivo. Livro “made to stick”.
CONSUMIDOR E CONCORRÊNCIA
Roberto Pfeiffer: Objetivo final da concorrência seria a tutela do consumidor. Espaço para aprimoramento da atuação dos MPs no ajuizamento de ações civis públicas. Questões polêmicas: 1) prescrição; 2) cálculo do dano. Discussões atuais: vetores além do preço que devem ser buscados; objetivos que devem ser perseguidos; consumer choice aprooach; inovação; concorrência não preço; privacidade/proteção de dados pessoais. Desafio da atuação conjugada com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Aurélio Rios: discussão sobre o tipo de capitalismo que se quer, na busca pela concorrência justa. Problema do capitalismo de compadrio (obs. meu: livro Capitalismo de Laços, do Lazzarini). Ausência de critérios claros para a atuação do MPF junto ao Cade – Resolução Conjunta CADE/MPF veio a disciplinar isso e dar maior previsibilidade.
Ana Frazão: 1) Diálogo entre concorrência e consumidor na visão tradicional. Aparente consenso de que o consumidor é o objetivo da concorrência, mas o que difere é justamente o modo dessa análise. Como se proteger esse consumidor? Aponta a necessidade de não se ter a única visão de bem-estar do consumidor como eficiência de Chicago. 2) Diálogo mais dinâmico sobre economia de dados e capitalismo de vigilância. Economia de dados e mercados de atenção: outros critérios de precificação. Capitalismo de vigilância: perfis dos usuários. Livro do Frank Pascoali: “Black Box” – one way mirror, em que os agentes econômicos sabem tudo do consumidor, enquanto ao consumidor não sabe nada dos agentes econômicos. É possível, então, se falar sobre contratos? O contrato tem como pressuposto o risco, mas na medida em que o agente econômico tem todas as certezas, seria possível se falar sobre risco? Texto Zingales sobre impactos na democracia: agentes econômicos sempre podiam comprar políticos, mas hoje podem votos. Ronaldo Lemos dizendo sobre votos. Benkler, livro sobre eleições EUA e “compra de votos” pelas redes sociais. Economia movida a dados traz então perspectivas acima das pessoas como consumidoras, mas sim pessoas como cidadania, de democracia. Questiona a visão de que, se o preço está baixo, o direito da concorrência não precisa atuar. Importância da LGPD na disciplina dos mercados, do autocontrole informacional. Posição de que o direito do consumidor precisa se readaptar: será que o consumidor pode realmente renunciar ao direito a privacidade? Ou isso seria irrenunciável, por ser um direito fundamental? Tecnologia como vetor de regulação. Evitar que a tecnologia e economia ditem o direito, pois deve ser feito o contrário. Combate a visão de que o consumidor é endereçado pela concorrência apenas via preços. Traz a visão de bem-estar do consumidor mais ampla. Sobre o questionamento de que isso traria incertezas pro antitruste, questiona a premissa de que estudos econômicos seriam objetivos. Ou seja, a lente do observador jamais é neutra, e então a ampliação dos interesses da concorrência já uma realidade, e será necessária a adaptação das metodologias.
CONTROLE DOS ACORDOS DE LENIÊNCIA E PODER JUDICIÁRIO
Amanda Athayde: Power Point (https://www.amandaathayde.com.br/eventos-palestras).
Floriano Marques Neto: conceito de acordo de leniência em sentido amplo ou estrito, e sua natureza jurídica. Em sentido amplo: acordo substituto de sanção, por meio do qual o Estado transaciona com o infrator, transigindo a pena. Em sentido estrito: LDC e LAnticorrupção, embora com tratamentos diferentes. AL como contratos públicos atípicos, que envolvem uma negociação/vínculo obrigacional entre poder público e entes privados, em que há transação, com caráter de comutatividade. Assim, controle de legalidade pela exigibilidade de uma parte mesmo com relação a outros que já tenham cumprido suas partes. Cumprimento da obrigação de uma parte gera a necessidade de cumprimento pela outra parte. Interface estreita entre AL e outros negócios jurídicos: AL antitruste, AL anticorrupção, ACPremiada.
Contrato bilateral comutativo atípico.
Aspectos que podem ensejar controle de legalidade nos aspectos constitutivos (materiais): 1) partes: ente público é autorizado legalmente para travar esse acordo? No antitruste, mais ok. No AL anticorrupção, diversidade de autoridades competentes possíveis diante da fragmentação de legitimidades. 2) objeto do acordo. No AL Anticorrupção, vedação ao primeiro acordo a assinar o AL. 3) perquisição sobre a colaboração ser útil ou não. 4) âmbito de discricionariedade para aceitar ou não o acordo – valor da colaboração deve ser objeto de adentramento pelo judiciário? 5) efetiva cessação da conduta. 6) aferição sobre a higidez da reparação do dano. 7) transação sobre a pena seria passível de negociação?
Aspectos que podem ensejar controle de legalidade nos aspectos processuais: 1) vícios na formação da leniência – como contrato, tem os vícios que invalidam o acordo. 2) teoria do pré-contrato seria possível para favorecer o negociante de boa-fé? 3) isonomia na negociação dos acordos – particular pode invocar a isonomia para ver aplicado a si o direito de ter a mesma métrica de negociação em uma situação similar? Pela jurisprudência, isonomia como limitador da discricionariedade administrativa.
Ana Elisa Bechara: legalidade dos ALs sob a perspectiva criminal concorrencial. Lógica de economização do direito penal, que deixa de ter caráter de ultima ratio. Movimento de expansão do direito penal. Histórico dos ALs nos EUA (aumento da previsibilidade com a concessão automática de benefícios). Críticas: 1) influência internacional na sua formatação, em choque com princípios 2) delação como fonte de favores penais 3) oferta de extinção de punibilidade pelo órgão administrativo e 4) papel do judiciário. Questionamento sobre o custo da eficiência dos acordos de leniência. Noção de direito penal mínimo e ponderado.